A importância de dizer “não” ao seu filho
CEPAP - Centro Paulista de Psicologia
No aconchego do útero materno, o bebê tem exatamente aquilo que precisa para sobreviver e crescer. Esse é o único período da existência humana em que qualquer necessidade é suprida imediatamente. Mas basta nascer para que a criança sinta as primeiras dificuldades e frustrações: é preciso fazer força para respirar, o ambiente é frio e desconfortável, o alimento não chega a todo instante… E tudo isso se transforma em choro, claro.
A grande verdade (se é que existe alguma certeza nessa vida) é essa: todo ser humano se frustra desde que aterrissa nesse mundo. Não há como evitar isso, por mais que doa ver um filho sofrer. Tentar satisfazer completamente as vontades e evitar dizer o famoso “não”, achando que isso trará felicidade, é inútil. Ensinar os filhos a esperar e persistir faz parte do papel de pais e mães. Se os adultos não derem limites e não negarem alguns caprichos das crianças, elas não aprenderão a lidar com as adversidades que surgirem pelo caminho – e isso se torna um problemão lá no futuro.
Em resumo, o seu filho vai se decepcionar, sim, muitas vezes, e isso é bom para ele. Só passando por essas situações e aprendendo a lidar com elas é possível adquirir habilidades importantes para toda a vida, como perseverança, paciência, empatia e flexibilidade. Um experimento simples realizado nos anos 1960 ficou famoso entre os psicólogos e deu origem a uma série de novas pesquisas nesse campo. O livro que conta tudo isso acaba de chegar ao Brasil. O Teste do Marshmallow: Por que a Força de Vontade É a Chave do Sucesso foi escrito pelo pesquisador Walter Mischel, reconhecido professor de psicologia na Universidade de Columbia (EUA). Na experiência dele, a criança recebe um marshmallow e a seguinte instrução: pode comer o doce imediatamente ou esperar 20 minutos e comer dois.
A decisão tomada pela criança prevê algo sobre seu futuro? Sim! Com base em décadas de pesquisa, Mischel descobriu que lidar com a frustração de adiar pequenos prazeres para alcançar objetivos é um indicativo de melhor cognição e autoestima, o que contribui com uma vida de sucesso. “Saímos [do estudo] cheios de novas esperanças, sensibilizados pela capacidade de ver mesmo crianças pequenas não cederem ao prêmio imediato e persistir na busca de ganhos maiores”, escreveu ele.
A decepção, em determinado grau, é uma forma de autorregulação e autocontrole, conforme explica o psicólogo Armando Ribeiro, coordenador do Programa de Avaliação do Estresse da Beneficência Portuguesa (SP). “Essa pesquisa do marshmallow mostra que a criança que resiste ao sentimento de frustração por não ter seu desejo atendido imediatamente se torna mais resiliente, mais resistente ao estresse do dia a dia e tem potencial para um futuro promissor”, explica ele.
Engana-se quem pensa que a vida do bebê é uma maravilha completa. Desde que sai do conforto e da segurança do útero materno, onde tinha tudo, ele inicia um processo de adaptação à sociedade. Aqui fora, a realidade é bem diferente. “Em pouco tempo, a criança se depara com a ausência do seio materno: ela se dá conta de que aquilo não lhe pertence e não estará disponível o tempo todo. Esse é um exemplo de frustração necessária e inevitável”, explica Maria José Gontijo, pós-doutora em Educação, professora da PUC-MG e membro do Conselho Federal de Psicologia.
Assim, uma série de outras pequenas insatisfações se apresentam diariamente ao bebê – e não há como criar um ser humano sem contrariar suas vontades. O cotidiano de uma criança pequena já inclui uma série de desgostos que fazem parte da existência. “Não acarinhar 24 horas seguidas é frustrá-la. Mas é impossível alguém oferecer o peito e o colo dia e noite sem parar. Isso é completamente ilusório e romantizado. No cotidiano, os pais têm que se ausentar para tomar banho, comer, trabalhar”, reflete Alessandra Barbieri, psicóloga, psicanalista e professora do Instituto Sedes Sapientiae (SP).
Quando dizer “não”
Além das insatisfações irremediáveis (como a impossibilidade de estar nos braços de um adulto em tempo integral) é preciso, aos poucos, dar limites a certos comportamentos dos filhos. “O bebê de 1 ano já compreende o ‘não’. É por isso que essa é a primeira palavra de muitos. Aos 2 anos, ele passa a entender também que o ‘não’ pode trazer consequências, como um castigo. Dar limites é extremamente importante para a formação”, afirma o pediatra e neonatologista Nelson Douglas Ejzenbaum, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Os especialistas lembram que, atualmente, existe uma “ditadura do prazer”, em que não se pode adiar uma vontade. Por isso, muitos pais tentam fazer de tudo para que a criança não se frustre e acabam criando pequenos paraísos artificiais para os filhos, onde qualquer desgosto é sanado com doces, presentes, telas…
Mas qual é a medida certa das negativas? Não existe receita pronta! “Temos que usar o ‘não’ somente quando for preciso. Para definir a necessidade, os pais devem pensar nos planos que têm para o filho. É preciso ter em mente o tipo de adulto que você deseja que a criança se torne, para poder cobrar comportamentos e corrigi-la sem sentir culpa”, afirma a psicóloga Teresa Helena Schoen, pedagoga e professora da Unifesp.
O papel do elogio
Elogiar (sem excessos) o bom comportamento é muito importante. Ressalte aquilo que a criança fez e que condiz com o que se espera dela. Por exemplo: se ela lavou as mãos sozinha após usar o banheiro, se soube agradecer um presente repetido que ganhou, se foi educada durante a visita a um parente… São pequenas conquistas que merecem reconhecimento verbal. É uma forma de valorizá-la.
O que diz a especialista…
Alessandra Barbieri, psicóloga, psicanalista e professora do Instituto Sedes Sapientiae (SP) responde a questões frequentes
Como dizer “não” na medida certa, sem falta nem exagero?
Crianças são seres em processo de humanização. Cada adulto deve ter em mente o que julga importante nesse processo e não abrir mão disso. Em questões de menor importância, o “não” pode ser deixado de lado: isso poupa energia para as próximas negativas e permite que a criança explore o mundo sem tantas inibições. Uma boa medida é os pais perceberem a quantidade de prazer em sua relação com o filho. Se, no dia a dia, os adultos não encontram nenhum ponto agradável na convivência porque sempre estão no papel dos que tolhem, então é preciso repensar a frequência do “não”.
O que fazer se bater o sentimento de culpa ao negar algo para o filho?
Os pais podem e devem relaxar quando isso acontecer. O mais importante para a criança é perceber que há alguém que cuida dela e que decide. O “não” é muito chato de ouvir, mas também pode deixar a criança menos angustiada diante de um excesso de sensações ou em momentos de escolha que ela ainda não tem condições de fazer.
Dizer que haverá castigo e voltar atrás na decisão é um problema?
Pode ser quando acontece com frequência – o que costuma indicar adultos muito hesitantes em seus papéis de pais. Mas, voltar atrás eventualmente não é problema, desde que a decisão final seja fruto de um momento de reflexão e que se explique os motivos ao filho.
Como explicar à criança o motivo de um “não” ou de um castigo?
É importante falar firme, olhando nos olhos, mas sem gritar e ser muito autoritário, o que pode assustar ou gerar raiva na criança. Ela deve prestar atenção ao que é dito, e, para isso, precisa estar calma. Antes de punir a criança, o adulto deve refletir se a consequência imposta é possível de se cumprir.